domingo, abril 29, 2007

Made of Words and Dreams

Todo eu sou palavras.
Não vale a pena falar, porque todo eu sou palavras serpenteantes, que deslizam entre o sangue e a água.
Olho luz difusa, raios que me envolvem os olhos em dilatações imprecisas, e cheiro sabores distantes, que me picam a língua em formas confusas e flamejantes.
Mas o que sou são palavras:
De mortes passadas à beira-mágoa e vidas levadas em torpores de triunfos indolentes;
Sonhos esquecidos em bonecos empoeirados e estojos usados, enterrados na ânsia convulsiva de infâncias nubladas; E livros sepultados atrás de roupa perdida no tempo e na memória.
Sinto rasgos de cor a bailarem-me nos olhos. A Luz caminha ao meu lado feita mulher, sereia sem asas nem pés…Sereia que caminha no mar brilhante e negro do Amor, da Liberdade e da Dor. Suaves esgares de um prazer contínuo e permanente que se agitam ao longo de um corpo suave e sinuoso, ondas desirmanadas que passeiam num oceano entontecido e placidamente ébrio.
E ela própria é o mar em que caminha, como eu sou as palavras com que escrevo.
E toda a Vida, e a Morte, caminham atrás de nós, suaves passadas em areias movediças que nos engolem em rios claros de nuvens e fábulas.
Súbita e silenciosamente, como as lágrimas de um cristal que se quebra em folhas sequiosas, a Escuridão envolve-nos feita anjo material. Acaricia-nos com mãos ansiosas e trémulas, num nervosismo expectante e murmuroso. Sussurra-nos palavras vagarosas, que espalham fogo e água à nossa volta, em sacões calmos e inquietos.
Abre as asas e sobrevoa-nos em rodopios de condor entontecido.
A Morte e a Vida esfumam-se: pequenas nuvens que se afastam num céu de crepúsculo, raiado a Fogo e Dor e Amor e Ar.
E somos só três: a Luz, a Escuridão e eu.
E todo eu sou palavras. E nada mais.

quarta-feira, abril 04, 2007

Reminiscências antigas (Steppenwolf)

Despojado de tudo, prostro-me diante da escuridão, desnudo e livre.
As barreiras criadas natural e evolutivamente, outrora intrínsecas ao meu ser, desabam , qual muro de pedra e palha e dor, gasto pela corrente contínua de uma auto-flagelação misericordiosa.
Diante de todos, deixo cair a cortina de veludo que me encobre, mostrando involuntariamente o meu verdadeiro Eu.
Chamas de emoções , incêndios de sentidos e cães raivosos com espuma a escorrer dos queixos e olhos vermelhos de fúria , saltam do meu corpo , loucos de liberdade, enquanto tento reerguer uma barreira que os contenha e os aconchegue no fundo da minha Alma.
Esforço exaustivo que se revela inútil.
Posto isto, fujo.

Convulsões criativas

Dói-me a mão enquanto escrevo. Quero escrever mortes exultantes e feridas dolorosas, amores esquecidos em sombras omnipresentes, liberdades recuperadas à força de muito lutar.
Mas dói-me a mão enquanto escrevo. Minha Alma queimou-se no fogo-fátuo das desilusões. Amor e Dor misturam-se num esgar difuso de gritos e Sonhos.
Deuses e Deusas aparecem-me em frente dos olhos molhados, cansados do esforço de desvendar a escuridão. Cada luz parece uma estrela, cometas intermitentes que me saltam no olhar, deixando um rastro de gelo e sombra.
Thanatos e Pan, Eros e Psyche dançam à frente dos meus olhos. Dançam e riem-se, num sadismo condescendente.
Parem!
Quero sonhar! Quero rir! Quero gritar em convulsões sucessivas, histerismos rápidos e inconsequentes que se perdem na escuridão de movimentos presos que rasgam a pele.
Mas tudo o que faço é olhar, preso num êxtase convulsivo. Todos os pedaços da minha Alma lutam furiosamente para ocupar o meu corpo, vazio e livre, qual concha negra levada pela maré. E flutuo, imóvel, em mares de Terra e Ar e Sono.
Tudo se esvai.
Os Deuses voam, fundindo-se nas brumas. As luzes apagam-se. As figuras imortais desfazem-se em fumo.
Agora, tudo é nevoeiro. E o nevoeiro sou eu.
Rodopio num vórtice, condensado num rio de fogo. Só se vê branco e negro. Escuridão e Luz interligados na perfeição suprema.
Acordo e sou só eu.
Tenho força.
Tenho vida.
Tenho palavras a jorrarem-me do peito.
A mão já não me dói.
Nem a Alma.