quarta-feira, abril 04, 2007

Convulsões criativas

Dói-me a mão enquanto escrevo. Quero escrever mortes exultantes e feridas dolorosas, amores esquecidos em sombras omnipresentes, liberdades recuperadas à força de muito lutar.
Mas dói-me a mão enquanto escrevo. Minha Alma queimou-se no fogo-fátuo das desilusões. Amor e Dor misturam-se num esgar difuso de gritos e Sonhos.
Deuses e Deusas aparecem-me em frente dos olhos molhados, cansados do esforço de desvendar a escuridão. Cada luz parece uma estrela, cometas intermitentes que me saltam no olhar, deixando um rastro de gelo e sombra.
Thanatos e Pan, Eros e Psyche dançam à frente dos meus olhos. Dançam e riem-se, num sadismo condescendente.
Parem!
Quero sonhar! Quero rir! Quero gritar em convulsões sucessivas, histerismos rápidos e inconsequentes que se perdem na escuridão de movimentos presos que rasgam a pele.
Mas tudo o que faço é olhar, preso num êxtase convulsivo. Todos os pedaços da minha Alma lutam furiosamente para ocupar o meu corpo, vazio e livre, qual concha negra levada pela maré. E flutuo, imóvel, em mares de Terra e Ar e Sono.
Tudo se esvai.
Os Deuses voam, fundindo-se nas brumas. As luzes apagam-se. As figuras imortais desfazem-se em fumo.
Agora, tudo é nevoeiro. E o nevoeiro sou eu.
Rodopio num vórtice, condensado num rio de fogo. Só se vê branco e negro. Escuridão e Luz interligados na perfeição suprema.
Acordo e sou só eu.
Tenho força.
Tenho vida.
Tenho palavras a jorrarem-me do peito.
A mão já não me dói.
Nem a Alma.