segunda-feira, março 19, 2007

Ventos que passam

Rasga-me.
Devora-me o peito numa compulsão insaciável! Abre-me o coração num êxtase de dor e prazer!
Despeja em mim toda a tua Felicidade, toda a tua Certeza de estar neste mundo e bem!
Deixa-me sentir a certeza de sentir a Verdade, a mim! desesperado náufrago de um barco que nunca tomei, viajante clandestino numa Pátria deserta de vozes e sons.
Porquê esse esgar de medo e tristeza, o teu esgar de medo e tristeza? Tu, que não és náufrago, eterno viajante forçado em mares que se levantam e arrepelam contra ti.
És apenas uma aparente Certeza, pequena alma desaustinada e desejosa que nunca saiu do porto (Lágrimas balouçam-se em teu gesto frágil e estonteante, reflexo puro de todos teus desejos e sensações, enquanto sentes os barcos dos que partem e os dos que chegam, feitos de estórias e palavras, fiapos de tinta e de som.)
Imaginas a grandeza e a folia, o cheiro do Mar invadindo o corpo seco e pulsante do tripulante feliz. Mas não imaginas o desespero, o medo e a saudade do navio que arremete contra as ondas implacáveis que insistem em engoli-lo. Não imaginas como é lutar por uma vida cansada e dormente, todos os teus sentidos a suplicarem o abandono, o alívio permanente! Não imaginas o esforço, o peso da tábua em que te agarras, medusas e pequenos polvos enrolando-se nos teus pés.
A sombra de um tubarão excitado .
A Vida no limiar da Morte.
Imaginas a areia e os Oásis idílicos, os doces e picantes aromas orientais isolando-te numa onda báquica de prazer.
Mas não imaginas o Calor, o estrangulamento de uma areia que se enterra, a gritante ilusão de uma Miragem. Não imaginas a escuridão ofuscante, a última gota do cantil a verter-se na areia seca, a impotência de uma língua inchada e dormente.
Como não imaginas o Prazer, também não imaginas a Dor.
No entanto, mais vale a esperança de um sonho fugidio que a estéril futilidade de uma realidade estática.

domingo, março 11, 2007

Apoteose Luciferina

Sonolência de dias claros e manhãs mansas, alturas em que o sonho embala a realidade.
Ando por aí sem me ver nem sentir, pequeno fantasma carnal no qual a alma voa pelos céus ou repousa no travesseiro.
Alas! como desejo a noite na sua negra mansidão, luz escura de esperança calma, amor suave e dolente que me acaricia o rosto em afabilidades quase maternais.
Luzes puras da Lua branca, Luz infernal dos candeeiros claros, não são vocês eternos protectores daqueles a quem a luz do Sol desgasta, irradiando ininterruptamente, sem descanso sobre os corpos cansados?
Não és tu que me acalmas, ó Lua, em dias agitados de incertezas aflitas e horas pesadas?
Não és tu a lenta e suave Apoteose latente, que nos envolve a todos num êxtase de bucólica Felicidade?
Mas a Ti, Sol, ente impulsivo e exuberante, astro eterno que nos alimenta, que nos banha com o Sopro Vital, também a ti te amo!
Quantas vezes não me salvaste da amargura de uma Noite sem Lua, a tua luz recém-nascida acariciando o meu espírito choroso com pequenos raios (fracos em força mas plenos de Vontade)? Quantas vezes não me puxaste do Sono Eterno, do diletantismo premente, Esperança e Força esvaindo-se de mim aos soluços?
Quebraste a fina camada de torpor imenso que se tinha formado à volta do meu Ser.
Mas cansas-me, por vezes cansas-me…És milhares de Apoteoses explodindo continuamente nas trevas que renegas, júbilo orgíaco e permanente de Força e Prazer.
E isso suga-me, deixa-me exausto ao fim de um dia de êxtase total. Escondo-me na minha própria indiferença, e o torpor volta a verter dos meus poros, cobrindo-me de veludo e solidão.
E por isso quero a Lua, que, numa suave Escuridão, sorri e me lava as feridas, cobrindo-me num manto de Luz e Sombra.
E as dolorosas Luzes Infernais de candeeiros industriais , génese de uma criatividade tortuosa e sadomasoquista que me enche de Prazer. Também estas eu amo, esgar pungente da minha Dor.