sexta-feira, setembro 21, 2007

Crónica de uma Cidade Nua

No ar, um vago odor a cloro. Isso e o calor que se liberta do solo – rasgos que distorcem o ambiente numa ondulação imperceptível, ligeiramente intoxicante – induzem-me em percepções cambaleantes e timidamente surreais: uma melancolia que se apodera do corpo, como sementes que brotam em raízes que brotam em plantas que escorrem num líquido quente e viscoso que se enrola e se funde no fogo que corre na pele e no peito, rastejando e acariciando-me naquele vago aperto que enlaça a garganta e pressiona e chocalha.

Movo-me docemente pela cidade acabada de deitar.

Aqui e ali, vozes. O ocasional apagar de luz transforma-se numa melodia visual que acompanha o vaguear vacilante. Folhas e sacos de plástico voam tremulamente, embalados pelo vento que se enleia nas árvores dilaceradas; A luz alaranjada dos candeeiros ofusca as estrelas e rodeia-me numa sonolência tépida;

E a mente volta-se para dentro, enquanto os olhos absorvem aquilo que os rodeia.

O troar distante dos carros, convertido num gemido gélido, aumenta de intensidade enquanto me aproximo da avenida principal. Não passam muitos, e, por instantes, apenas se sabe os gemidos do alcatrão moribundo:
Réstias que se escapam da teia que o vidro teceu.

O trinco solta-se com um estampido tranquilizante, cortando o ar numa fuga apressada:
Luz que se refracta, barreira invisível entre o vento e a brisa.

Entrei.

Continuei num estado hedonisticamente divagante, o espírito forçando-se para fora de um corpo quase autómato sob o brilho vigilante das lâmpadas de halogéneo.
E o som insistente do elevador permeou a escrita que nascia cadente; êxtase suave, como os sonhos que alimentam o sono dos justos.