quarta-feira, dezembro 27, 2006

Avó Irene(Elegia)

Avó Irene:
Amávamos-te muito e sempre te lembraremos.
É estranho pensar em ti sem te poder ver, sem esperar ver-te. Sem esperar sorrir-te e beijar-te o rosto, sentir a tua aura apaziguadora e, julgava eu (Oh! doce sonho de invencibilidade presente em todos nós) imortal…
É estranho o vazio que deixaste, estando nós tão habituados à tua presença calma e omnipresente, ao cheiro do teu amor manso, que se espraiava no ar e velava por nós.
É estranho não poder sentir outra vez a tua alegria e a tua tristeza, não poder ouvir a voz que nos contava histórias de várias infâncias e vidas, não poder partilhar as tuas memórias: Porque tu viste-nos a todos nascer e de nós todos cuidaste.
Foi mau e devastador ver-te piorar subitamente, mercê de um corpo velho que não suportava a tua alma, mutuamente jovem e experiente, mas para sempre eterna.
Obviamente, essa é uma parte da minha memória que quero apagar. Antes manter-te viva no meu coração como a bisavó atenta e carinhosa de quem que eu tanto gosto…
Porque tu viverás para sempre dentro de nós. Os teus traços podem esbater-se e a tua voz desvanecer-se aos poucos na minha memória, mas existem coisas que ficam firmemente esculpidas na alma! Coisas que lembrarei com alegria e prazer:
A tua vida, o teu sorriso, a tua arte, a tua sabedoria e o teu amor.
São coisas que levarei para sempre no coração, coisas que me deste e que eu sempre guardarei, fazendo parte de mim desde o momento em que as recebi!
Porque embora tenhas morrido e levado contigo uma parte de nós, o que nos deixaste encherá determinadamente o vazio, e o nosso coração crescerá com a tua memória.
Mesmo assim, estará sempre uma lágrima pendente de mim:
Porque nunca mais ouvirei a tua voz.
Amávamos-te muito e sempre te lembraremos.

Amorosamente:
O teu bisneto João

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Diferenças

Cansada de caminhar na escuridão, encostei-me a uma árvore e deixei-me escorregar lentamente até ao chão, sentido o toque suave do solo nos meus músculos cansados.
Fechei os olhos durante pouco tempo, atenta aos sons que me rodeavam e saboreando aquele pequeno momento de descanso. Mas logo me levantei, porque gente como eu não pode descansar muito.
Os Condenados. Todos nos chamam assim, e nós próprios usamos esse nome como um orgulhoso estandarte que nos precede, desfraldado ao vento.
Mas muitos nos temem, odeiam e caçam. Não toleram os que são diferentes porque não acreditam na sua própria individualidade. Tornam-se uns iguais aos outros, como autómatos pintados furiosamente e à pressa. As mesmas opiniões, a mesma roupa, a mesma vida.
Por isso nos temem mais do que tudo. Porque nós somos não só ideologicamente, mas fisicamente diferentes:
Lycantropos, Nosferatus , Elfos e Anões. Todos diferentes mas todos iguais, na medida em que poucos nos amam e muitos no temem. Aqueles que amam, também são caçados. Chamam-lhes bruxos (nome que eles, ironicamente, adoptaram) e acusam-nos de crimes que eles próprios cometem.
Mesmo assim, começamos a crescer. As nossas cidades sem nome começam a aumentar, assim como o número de Condenados. Qualquer dia, seremos tantos que os outros nos terão que aceitar, e eu acredito que ainda estarei viva para ver esse dia.
Mas até lá, tenho que continuar a fugir, na esperança de alcançar uma cidade que me aceite.
Onde todos sejamos livres e a luz nunca se apague.