domingo, outubro 01, 2006

Retrato

Olhas para nós impotente , com esse ar reprovador e sério com que te pintaram.
Descansando sobre a mesma parede em que há tanto tempo estás , não podes fazer mais que observar , ouvir e pensar , enquanto as nossas vidas passam por ti , como um vento revolto.
Pelos teus olhos perpassaram emoções: alegria e tristeza , ternura e ódio (?) , carinho e frieza...
Talvez queiras falar connosco , partilhar a tua sabedoria imortal... Mas sabes que não podes , condenado que estás à mudez eterna!
Imóvel e inquieto , manténs-te sempre impassível perante tudo , deixando os outros selarem o teu destino , levado pela corrente das decisões ao mesmo tempo que ouvias vozes , recordavas rostos e saudavas memórias , enquanto o tempo te acariciava a tela, passando suavemente.
Sentiste Portugal tiranizado , ameaçado por armas e ideologias . Por fim , acolheste a “revolução” , indiferente.
Porque nada para ti tinha mudado . A casa onde repousas continuava com um corrupio de gente; Jovens e Velhos , alegres e tristes , Activos e preguiçosos. Todos juntos sobre o mesmo tecto e teu olhar vigilante.
Mas um dia , a família partiu , deixando-te na escuridão. É certo que voltam frequentemente , porque no fim de contas , é a sua terra-mãe. Mas há sempre aqueles períodos em que ficas sozinho numa casa quase vazia, apenas com as sombras por companhia.
E , nesses dias mudos , que farás? Será que aproveitas e sais da tua solene habitação, rodeada de castanho, abres as portadas e sentes a brisa a acariciar-te o corpo, o sol a queimar-te a cara e o rio a correr-te pelas veias? Deambularás pela casa , perscrutando todos os seus cantos e mistérios? Sairás para o Pátio para olhar para o Sol matinal e sentir o canto dos pássaros a massajar-te o ouvido? Ou continuarás na escuridão , retomando o sono eterno a que estás destinado?

1 Comments:

At 12:41 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Sempre olhei para aquele retrato com um certo respeito místico.
Sempre imeginei o que estaria por detrás do seu olhar.
Nunca partilhei os meus pensamentos. Puseste-os em palavras...

 

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