sexta-feira, agosto 11, 2006

Uma vida de caimão

Nasci num ovo.A minha primeira recordação foi de pânico e esforço.A minha primeira visão , um pano esbranquiçado onde um líquido aquoso me cobria.Batalhei a minha passagem para além deles , e finalmente vi a minha mãe.
Era comprida , verde-acastanhada , com um focinho longo , pernas curtas e olhos penetrantes.
De seguida , vi meus irmãos.Seres assustados e confusos (tal como eu),pequenas miniaturas de minha mãe.
O nosso primeiro instinto foi corrermos para junto da nossa mãe.Pouco depois,partiu.Ficámos assustados e dessamparados.Mas minha mãe voltou rapidamente ,com um pouco de comida que rapinei e rapidamente comi, aliviado.
A minha mãe era boa caçadora , portanto aqueles eram tempos de fartura.Bons tempos .O suficiente para alimentar os cinco , que , lestos(quase todos), íamos aprendendo as técnicas de sobrevivência.
Passámos do "paraíso" para o "inferno".A nossa mãe largou-nos cedo no Mundo , e agora temos que nos governar como sabemos.Dos cinco , restam 2.
O meu irmão mais estúpido e mais fraco morreu logo nos tempos doirados em que dependiamos da mãe.Temeroso como era , logo no 7º dia de vida tentou seguir as pisadas de nossa mãe:
Certo dia , quando a mãe estava fora a caçar, ele resolveu tentar a sua sorte nessa mesma actividade. Não durou um minuto.Atirou-se á água, submergiu, e logo que o fez , viu-se uma perturbação na superfície por cima dele.Nunca mais o vimos , com certeza devorado pleas piranhas.
As outras duas mortes foram quando já estávamos entregues á nossa sorte.Uma delas foi em terra , outra no rio:
No segundo dia D.M.(depois da Mãe) , ainda estávamos muito dependentes uns dos outros.Por conseguinte , dormiamos chegados, quase juntos , também porque a zona explorada era curta e o desconhecido nos aterrorizava.Já noite alta , alguns de barrriga cheia e outros não , descansávamos em terra.Alguns estavam dormindo , outros dormitando.Estava eu num estado a descambar para a inconsciência , quando ouvi um restolhar.Subitamente , uma massa grande e escura da qual só se via o brilho dos olhos invadiu o nosso recanto. Tão rápido como entrou ,saiu ,levando um dos meus irmãos na boca.Ainda ouvi o som de um mastigar.Para azar do predador e da presa , esta tinha sido um dos que nada tinha comido , e que , para mitigar a fome , dormia.
A outra foi há pouco tempo:
Nesse tempo , já nos temíamos uns aos outros . O estômago estava a aumentar e as presas a escassear.Portanto quando um dos meus irmão se apareceu no meu local de caça , eu fiquei receoso.Ele podia tentar diminuir a concorrência.Mas dei-lhe um voto de confiança.Ficámos cada um em seu sítio.No entnto , passado um bocado , ele começou a aproximar-se , com um brilho agressivo nos olhos , momento em que me arrependi amargamente da minha decisão.Ora , no exacto segundo em que esta a pensar nisto , salta um outro caimão , maior que nós os dois , debaixo do meu irmão e engole-o de uma assentada.De seguida , afasta-se tranquilamente."Deve ter estado à espera deste deslize" , penso e continuo na minha faina como se nada tivesse acontecido.
Recentemente , pensei que me ia juntar ao rol dos meus irmão desaparecidos:
Estava eu muito calmamente a digerir o jantar , já a noite se tinha posto , e ouço um barulho de algo a impulsonar a superfície da água.Tento fugir , mas algo me cega completamente.
Sinto-me agarrado por mãos calejadas que me imobilizam firmemente , e ,num instante, recupero a visão e compreendo:Fui apanhado por humanos.
Agora , não vou dizer que isto não me assustou , mas já estava habituado à presença deles.É que à frente do ninho onde nasci , do outro lado do rio , existe um local com estranhas construções em madeira - acho que são os ninhos deles.Estavam sempre a chegar mais , alguns num animal gigante , e muito estranho , que fazia muito barulho , mas que consentia estar amarrado a um tronco ,sem comida , por imenso tempo. Outros , numa espécie de tronco escavado como os que me apanharam tinham , mas que também fazia muito barulho.
Bem , continuando....Depois do primeiro me agarrar e segurar , fui passando de mão em mão , virado , ofuscado por relâmpagos em miniatura e finalmente devolvido ao meu cantinho.
Depois disto e com o coração a bater descompassadamente , tentei adormecer.
Passado algum tempo , deixou de se ouvir barulho e de se ver luz.
E foi aí que ouvi um restolhar por cima de mim...
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